Recentemente, o Painel dos Produtos Dietéticos, Nutrição e Alergias1 da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar publicou um parecer científico sobre o nível de ingestão tolerável (UL) dos ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (LCPUFAs) ?-3: ácido eicosapentaenoico (EPA), ácido docosahexaenoico (DHA) e ácido docosapentaenoico (DPA).
Os LCPUFAs ?-3 são importantes componentes estruturais das membranas celulares,contribuindo para a sua fluidez e permeabilidade, a atividade de enzimas ligadas e dos receptores, a transdução de sinal e a regulação da expressão dos genes1.
O DHA é um componente de lipídios de membranas estruturais, especialmente de fosfolipídios no tecido nervoso e na retina. O EPA pode ser transformado em eicosanoides (prostaglandinas, prostaciclinas, tromboxanos, leucotrienos e prostanoides), que participam na regulação da pressão arterial, da função renal, coagulação sanguínea, reações inflamatórias e imunológicas, entre outras funções em tecidos. Outros metabólitos de EPA e DHA (resolvinas, protectinas) estão envolvidos na resolução da resposta inflamatória1.
Embora o DPA possa ser retroconvertido minimamente em EPA e DHA, pouco se sabe sobre seus efeitos biológicos in vivo2. Os efeitos de EPA, DHA e DPA na atividade enzimática, na expressão do gene e na agregação de plaquetas foram descritos in vitro2,3.
O peixe é uma fonte rica em LCPUFAs n-3 de forma exclusiva1. A tabela 1 apresenta a composição em porcentagem de ácidos graxos EPA e DHA de diferentes espécies de peixes marinhos da costa brasileira4. Outras fontes naturais de LCPUFAs n-3 são o leite humano, algas marinhas cultivadas, mamíferos marinhos e krill (crustáceo semelhante ao camarão). O EPA, o DHA e o DPA podem também ser fornecidos por alimentos e suplementos enriquecidos com LCPUFAs n-3. As proporções de EPA: DHA: DPA diferem entre as várias fontes de LCPUFAs n-3, embora DPA seja geralmente um componente de menor quantidade em comparação com EPA e DHA. Os suplementos alimentares que contêm principalmente EPA, ou principalmente DHA (isolado a partir de microalgas), também estão disponíveis. O DPA puro não é comercializado para o consumo humano1.
Fonte: Visentainer et al4.
Médias seguidas pela mesma letra na coluna não são significativamente diferentes (p=0,05). Dp=desvio padrão
O Painel observou o consumo médio de LCPUFA n-3 em adultos: os mais altos percentuais de ingestão foram geralmente <1200 mg/dia a partir de fontes dietéticas (em mulheres de 18 a 39 anos na Bélgica), e <1300 mg/dia em suplementos alimentares (pessoas de 51 a 64 anos na Irlanda). A maior ingestão foi <2,7 g/dia, quando considerado o alto consumo de peixes e suplementação em conjunto (homens de 16 a 79 anos na Noruega)1. Não foram encontrados estudos que avaliassem o consumo de LCPUFA n-3 na população brasileira.
A maioria dos estudos de intervenção em humanos que investigaram os efeitos do LCPUFA n-3 usou óleo de peixe contendo quantidades conhecidas de EPA e DHA, combinados ou isolados, e quantidades geralmente desconhecidas (mas relativamente baixas) do DPA. Poucos estudos estão disponíveis usando óleo de krill como fonte de EPA e DHA e não foram realizados estudos com fontes contendo principalmente DPA ou com DPA isolado1.
O Painel considerou que a produção endógena de EPA, DPA e DHA, a partir de ALA, pode ser insignificante em comparação com as doses utilizadas nos estudos analisados para avaliação da segurança destes LCPUFAs n-31.
Indicação dos LCPUFAs n-3 para diferentes condições clínicas
Os pareceres científicos da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos sobre a fundamentação das alegações de saúde relacionadas com EPA e DHA propuseram a ingestão de EPA e DHA em cerca de 2-4 g/dia, a fim de obter os efeitos5,6,7.
As recomendações dietéticas de organismos internacionais para ?-3 (principalmente EPA e DHA) variam de 200 mg a >600 mg/dia para adultos e de 40 mg a 250 mg/dia para lactentes com mais de 6 meses, para crianças e adolescentes. Estas recomendações têm sido estabelecidas com base na relação inversa entre o consumo desses LCPUFAs n-3 (principalmente a partir de óleos de peixe e peixe) e um menor risco de doença arterial coronariana1.
As recomendações específicas de DHA foram também estabelecidas para bebês e crianças pequenas (6 a 24 meses de idade), que variam de 70-100 mg/dia com base em seu acúmulo no sistema nervoso central e os seus efeitos sobre a função visual durante o período de alimentação complementar; assim como também para o DHA adicional (100-200 mg/dia) para mulheres grávidas e em lactação, a fim de compensar as perdas oxidativas de DHA na dieta materna e acúmulo de DHA em gordura corporal do feto/criança1. As mais altas recomendações dietéticas para EPA e DHA (principalmente EPA e DHA combinados ou somente DHA) para diferentes subgrupos populacionais são 610 mg/dia (Austrália)1.
A revisão de Lavie et al.8 resumiu os dados científicos sobre os efeitos da dosagem dos LCPUFA ?-3 na prevenção primária e secundária de distúrbios cardiovasculares (Figura 1).
Figura 1. Dosagem de óleo de peixe e o efeito cardiovascular
Fonte: adaptado de Lavie et al.8
* EPA= ácido eicosapentaenoico; DHA= ácido docosahexaenoico.
Observando a figura 1, podemos concluir que as doses de aproximadamente 700-1000 mg apresentam efeito antiarritmia e redutor da frequência cardíaca e da pressão arterial. No entanto, na hipertrigliceridemia, o efeito é proporcional a dose. Na dose em que há o benefício cardiovascular, não há risco antitrombótico. A atividade antitrombótica (antiagregante plaquetária) aumenta com dose = 2000 mg.
O óleo de peixe também foi apontado por seus efeitos benéficos no diabetes tipo 2, em doenças renais e inflamatórias, na saúde materna e infantil, na função do sistema nervoso central, em idosos, em transtornos psiquiátricos e em vários tipos de câncer9.
Efeitos adversos
Estudos de intervenção em humanos, em longo prazo, que investigaram os efeitos de doses suplementares de EPA e DHA, isolados ou combinados, em doses de até 1 g/dia aproximadamente, geralmente não relataram efeitos adversos em relação ao consumo de EPA ou DHA. No entanto, alguns efeitos adversos descritos em associação com doses elevadas de EPA e DHA incluem: episódios de hemorragia, supressão da função imunitária, peroxidação lipídica aumentada e metabolismo de lipídios e glicose prejudicados1.
Segurança da suplementação
Nenhum nível de ingestão tolerável (UL) para EPA, DHA e DPA foi definido por qualquer órgão competente1. O Instituto de Medicina dos EUA10 concluiu que os dados disponíveis são insuficientes para definir uma UL para EPA e DHA, embora os indivíduos com intolerância à glicose ou diabetes tipo 2 e indivíduos com hipercolesterolemia familiar em uso de anticoagulantes devam ser suplementados com cautela.
A Agência Alemã de Avaliação de Risco Federal Alemã estabeleceu o nível de consumo máximo recomendado para LCPUFA ?-3 de 1,5 g/dia. O Food and Drug Administration (FDA)12 recomendou não exceder a ingestão de 3 g/dia de EPA e DHA, para evitar possíveis efeitos adversos.
Em 2011, o Comitê Científico Norueguês para a Segurança dos Alimentos3 realizou uma avaliação de segurança de LCPUFA ?-3 de todas as fontes. Nenhum efeito colateral foi claramente associado com EPA e DHA com ingestão de até 6,9 g/dia e nenhuma UL pôde ser estabelecida.
O parecer científico sobre o nível de ingestão tolerável (UL) dos LCPUFAs ?-3 realizado pelo Painel dos Produtos Dietéticos, Nutrição e Alergias1, publicado neste ano, fez considerações sobre a dose-resposta de efeitos adversos com base nos estudos realizados em humanos. As mesmas estão expostas a seguir.
Considerações do Painel em relação às condições avaliadas1
O Painel considerou que a suplementação de EPA e DHA combinados com doses até 5 g/dia, ou de EPA isolado até 1,8 g/dia ou de DHA isolado até 1 g/dia, não suscitam preocupações de segurança para a população. No entanto, segundo o Painel, os dados disponíveis foram insuficientes para estabelecer uma UL para LCPUFA ?-3 (individualmente ou combinadas) para qualquer grupo populacional.
O Painel considerou que a avaliação da segurança das doses de LCPUFA ?-3 deve ser baseada em estudos disponíveis em humanos. O quadro 1 apresenta as dosagens consideradas seguras pelo Painel, para evitar os efeitos adversos, baseadas nesse tipo de intervenção.
Quadro 1. Dosagem segura para evitar efeitos adversos
Fonte: adaptado de Painel dos Produtos Dietéticos, Nutrição e Alergias1.
*dados disponíveis são insuficientes para concluir se as mesmas doses administradas, principalmente como EPA ou principalmente como DHA, têm efeitos diferentes sobre esse resultado.
Como complicações hemorrágicas, foi considerado o aumento do risco de episódios de sangramento espontâneo ou complicações hemorrágicas, mesmo em indivíduos com alto risco de sangramento (por exemplo, a ingestão de ácido acetilsalicílico ou anticoagulantes).
Em tempo de sangramento, foi considerado o aumento dos efeitos dos medicamentos antiplaquetários ou antitrombóticos sobre o tempo de sangramento. As mudanças nos tempos de sangramento, observadas em alguns estudos de intervenção, estavam dentro do intervalo normal e não associadas ao aumento do risco de complicações clínicas (por exemplo, hemorragia espontânea).
As alterações na função das plaquetas observadas com doses suplementares de EPA e DHA (isolados ou em combinação), até cerca de 4 g/dia, não foram consideradas negativas, uma vez que não foram associadas com um risco aumentado de complicações clínicas (hemorragia espontânea, por exemplo).
Para homeostase da glicose, o Painel considerou a necessidade de insulina, o aumento dos níveis de hemoglobina glicosilada (HbA1c) e o aumento da glicemia em jejum e pós-prandial, em pacientes com diabetes tipo 1 e tipo 2. Os estudos de intervenção em humanos, na maior parte, não controlados, descreveram os efeitos adversos da suplementação de ?-3 LCPUFA (10 g/dia)13.
Em relação à concentração de colesterol LDL no sangue, o Painel considerou que o pequeno aumento nos níveis de colesterol LDL (aproximadamente 3%), vinculado ao EPA e DHA (de 2-6 g/dia) ou somente DHA (2-4 g/dia) podem não ser adversos em relação ao risco de DCVs. Esse aumento foi acompanhado por uma diminuição em triglicérides, sem alterações na concentração do colesterol total (ou não HDL). As doses de EPA, até 4 g/dia, não tiveram efeito significativo nos níveis de colesterol LDL.
As doses consideradas seguras para peroxidação lipídica foram encontradas em estudos com diferentes marcadores: F2-isoprostanos (EPA e DHA, isolados ou combinados, até 4 g/dia por 6 semanas); oxidação das partículas de LDL (EPA e DHA, combinados, até 5 g/dia por até 16 semanas); substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS), de malondialdeído (MDA), dienos conjugados e hidroperóxidos lipídicos (EPA e DHA, até 4,5 g/dia)3. As primeiras observações que ligam o consumo de DHA com o aumento de peroxidação lipídica e dano oxidativo nas células e moléculas em animais de laboratório, podem ter sido afetadas pela presença de produtos de oxidação primária e secundária em suplementos sem antioxidantes. Esse efeito foi, de fato, revertido quando o DHA foi administrado com a suplementação de vitamina E3,10. No entanto, a adição de antioxidantes aos suplementos alimentares que contenham LCPUFA ?-3 para garantir a estabilidade do produto, parece ser opcional14.
O Painel também considerou a susceptibilidade de indução de alterações nas funções imunes, que podem levantar preocupações em relação ao risco de infecções ou de ativação inapropriada de respostas inflamatórias (aumento de PCR-us, citocinas, ICAM-1, VCAM-1 e selectina-E)1.
Considerações finais
O painel considerou que a suplementação de EPA e DHA, combinados com doses até 5 g/dia, parece não aumentar o risco de episódios de sangramento espontâneo ou complicações hemorrágicas ou afetar a função imune, a homeostase da glicose ou a peroxidação lipídica, desde que a estabilidade oxidativa dos LCPUFAs ?-3 seja garantida. A ingestão de suplementação de EPA isolado até 1,8 g/dia também não suscita preocupações de segurança para a população adulta e a de DHA isolado até 1 g/dia é segura para a população em geral. Não há dados disponíveis para o DPA, quando consumido sozinho. O Painel observou que, na maioria dos estudos com humanos considerados, o óleo de peixe foi a fonte de EPA e DHA e também continha DPA em quantidades geralmente desconhecidas (mas relativamente baixas)1.
Apesar de serem estabelecidas algumas considerações em relação às dosagens consideradas seguras, não foi determinada a UL. Além disso, a individualidade bioquímica deve ser respeitada. Algumas pessoas podem ser hipersensíveis e apresentar efeitos adversos em uma dosagem mais baixa que as estabelecidas.
Os peixes estão expostos a contaminantes ambientais, tais como arsênico, metilmercúrio e poluentes orgânicos persistentes, que podem desencadear ou agravar determinadas doenças. Portanto, é importante o conhecimento de laudos que comprovem a purificação dos suplementos15.
Referências Bibliográficas:
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