EVIDÊNCIAS DO COLOSTRO BOVINO PARA SAÚDE INTESTINAL E PERFORMANCE

Em qualquer circunstância, o entendimento da homeostase orgânica, gerada em função de demandas e ofertas, é de fundamental importância para que haja raciocínio lógico acerca das possíveis condutas nutricionais. Estresse oxidativo, balaço inflamatório, mudança de microbiota são exemplos de respostas adaptativas ou patológicas que podem ser moduladas em função do estado nutricional, suplementação etc. Frente ao exercício, indivíduos sedentários (portanto, inativos) não apresentam as mesmas respostas adaptativas em comparação a pessoas fisicamente ativas. Logo, não há necessidade de buscar adaptações imunológicas e/ou de rendimento, da mesma maneira. O mesmo vale para atletas de alto rendimento amadores e profissionais que, por sua vez, tendem a entrar em curva de “desadaptação” em resposta as altas demandas de treinamento (Drager et al, 2014).

                Porém, para qualquer situação em que se busca resposta adaptativa através da via oral (suplementação), é condição sine qua non que haja uma boa saúde do trato gastrointestinal afim de suportar as demandas a nível de digestão e absorção. Uma vez que o intestino tem se mostrado um órgão “plástico” e adaptável ao exercício e treinamento (Jeukendrup et al, 2017), a busca por estratégias nutricionais que hajam como ergogênicas em tais situações têm sido constante pela literatura e, dentre estas, o colostro bovino vem recebendo atenção há alguns anos.

                Por definição, o colostro bovino também é conhecido como “o primeiro leite”, secretado pelas glândulas mamárias durante as primeiras 24 a 72 horas após o parto, apresentando-se como um líquido espesso, pegajoso e gelatinoso (Bagwe et al, 2015).

Rak e Bronkowska (2014) definem o colostro bovino como um dos imunoestimulantes naturais mais ricos. É composto por fatores de crescimento, imunoglobulinas, citocinas, lactoferrina, lisozima e hormônio do crescimento (Shing et al, 2019). Em termos quantitativos em comparação ao leite de vaca comum, o colostro possui 40 vezes mais o número de compostos bioativos, 100 vezes mais imunoglobulina A (Bagwe et al, 2015), 10 vezes mais lactoferrina e tem o IGF-1 como principal fator de crescimento (Francis et al, 1988).

                As tabelas 1 e 2 resumem os principais componentes e possíveis ações biológicas do colostro bovino, respectivamente.

              

Como descrito na tabela 2, acredita-se que os compostos bioativos presentes no colostro bovino melhoram a integridade da parede celular intestinal, bem como a tolerância à hipóxia, estresse térmico e oxidativo (Marchbank et al, 2011). In vitro, a suplementação de colostro protege contra aumento de apoptose induzido pela temperatura e indução da expressão de proteína de choque térmico em células intestinais humanas (Davison et al, 2016; Marchbank et al, 2011). O calor, além do exercício, amplifica a hipóxia esplênica redistribuindo o sangue para a pele, contribuindo possivelmente para danos adicionais às células endoteliais (Costa et al, 2020). Isso foi demonstrado com concentrações de proteínas intestinais inflamatórias significativamente mais altas pós-exercício em ambientes aquecidos em comparação com ambientes termoneutros (Chantler et al, 2020).

Os estudos que investigaram a suplementação de colostro bovino incluíram colostro sozinho e em combinação com zinco e carnosina. O tempo médio dos estudos varia de 2 a 14 dias. Estudos de dosagem pareada (20 g/dia) avaliando dano endotelial mostraram um efeito positivo do colostro após o exercício a 22°C (March et al, 2017) e 30°C (March et al, 2019), mas não a 40°C (McKenna et al, 2017).

Figura 1 – Concentração de proteína inflamatória intestinal antes e após o exercício, com e sem a suplementação de colostro. Extraído de March et al. (2017).

Figura 2 – Concentração de proteína inflamatória intestinal antes e após o exercício, com e sem a suplementação de colostro. Extraído de March et al. (2019).

Apenas 1 estudo considerou a comparação entre indivíduos treinados e não treinados, mostrando que o nível de treinamento não alterou a resposta à suplementação de colostro bovino em comparação com a condição placebo. Os autores notaram uma maior concentração de proteínas inflamatórias intestinas pós-exercício nos participantes treinados em comparação com os não treinados, mas isso foi independente da suplementação de colostro. Este estudo utilizou uma alta dosagem de colostro bovino (126 a 140g·dia, com base na massa corporal média) sem efeitos negativos relatados (Morrison et al, 2014).

Uma razão que pode justificar a falta de resultados positivos em alguns estudos pode estar na diferença nos componentes bioativos do próprio colostro bovino. Halasa et al. (2020), investigaram o impacto do atraso na ordenha pós-parto na capacidade do colostro bovino de reduzir os marcadores de permeabilidade em atletas amadores. Os autores observaram que o colostro bovino obtido 72 horas após o parto foi menos eficaz do que o colostro de 2 e 24 horas após o parto. Ou seja, a diferença na eficácia pode ser da mudança natural nos compostos bioativos pós-parto. Esta informação também foi confirmada por estudos laboratoriais (Playford et al, 2020).

Referências

1. Bagwe et al, 2015 / 2. Chantler S, Griffiths A, Matu J, Davison G, Jones B, Deighton K. The effects of exercise on indirect markers of gut damage and permeability: a systematic review and meta-analysis. Sport Med. 2020. / 3. Costa RJS, Gaskell SK, McCubbin AJ, Snipe RMJ. Exertional-heat stress-associated gastrointestinal perturbations during Olympic sports: Management strategies for athletes preparing and competing in the 2020 Tokyo Olympic Games. Temperature. 2020;7: 58–88. / 4. Davison G, Marchbank T, March DS, Thatcher R, Playford RJ. Zinc carnosine works with bovine colostrum in truncating heavy exercise-induced increase in gut permeability in healthy volunteers. Am J Clin Nutr. 2016;104: 526–536. / 5. Dreager et al. J Int Soc Sports Nutr (2014) / 6. Francis et al, 1988 / 7. Jeukendrup et al, 2017/ 8. March DS, Jones AW, Thatcher R, Davison G. The effect of bovine colostrum supplementation on intestinal injury and circulating intestinal bacterial DNA following exercise in the heat. Eur J Nutr. 2019;58: 1441–1451. / 9. March DS, Marchbank T, Playford RJ, Jones AW, Thatcher R, Davison G. Intestinal fatty acid-binding protein and gut permeability responses to exercise. Eur J Appl Physiol. 2017;117: 931–941. / 10. Marchbank T, Davison G, Oakes JR, Ghatei MA, Patterson M, Moyer MP, et al. The nutriceutical bovine colostrum truncates the increase in gut permeability caused by heavy exercise in athletes. Am J Physiol—Gastrointest Liver Physiol. 2011;300: 477–484. / 11. McKenna Z, Berkemeier Q, Naylor A, Kleint A, Gorini F, Ng J, et al. Bovine colostrum supplementation does not affect plasma I-FABP concentrations following exercise in a hot and humid environment. Eur J Appl Physiol. 2017;117: 2561–2567. / 12. Morrison SA, Cheung SS, Cotter JD. Bovine colostrum, training status, and gastrointestinal permeability during exercise in the heat: A placebo-controlled double-blind study. Appl Physiol Nutr Metab. 2014;39: 1070–1082. / 13. Playford RJ, Cattell M, Marchbank T. Marked variability in bioactivity between commercially available bovine colostrum for human use; implications for clinical trials. PLoS One. 2020;15: 1–16. / 14. Shing et al, 2019

Fonte: Vitafor