PERIODIZAÇÃO DE CARBOIDRATOS NO ESPORTE

Os conceitos e fundamentos da periodização de treinamento se confundem com a história do atletismo e dos esportes de endurance. Diversas abordagens à periodização surgiram a partir de estudos com estas modalidades incluindo modelos clássicos, blocos, polarizados e complexos (Issurin, 2010; Kiely, 2012). Dentro dessa diversidade está um tema central: o sequenciamento proposital de diferentes unidades de treinamento – longo (macrociclo: meses), médio (mesociclo: semanas) e curto (microciclo: dias) (Stone et al, 1981). No entanto, agora é reconhecido que a complexidade dos estímulos as quais um atleta é exposto (físicos, emocionais e genéticos) são provavelmente muito mais complicados do que a maioria dos modelos antigos de periodização. Além disso, o impacto da nutrição na adaptação ao treinamento e no desempenho ganhou reconhecimento significativo nos últimos anos. Porém, ao contrário do que muitos acreditam, periodização é diferente de organização alimentar. Elaborar planos alimentares de acordo com o horário de treino, dia da semana e rotina pessoal é “organização alimentar”. Já a “periodização nutricional” está diretamente relacionada com o entendimento e progressão das variáveis de treinamento e das demandas geradas por elas.

Em 2007, a International Association of Athletics Federations Nutrition Consensus apresentou a primeira proposta de diretriz para periodização nutricional, com sugestões das demandas de energia e macronutrientes nas diferentes fases de treinamento dentro de um plano de treinamento periodizado (Stellingwerff et al, 2007). Mais recentemente, a nutrição periodizada foi definida como “o uso planejado, proposital e estratégico de intervenções nutricionais específicas para melhorar as adaptações visadas por sessões de exercícios individuais ou planos de treinamento periódicos, ou para obter outros efeitos que melhorarão o desempenho em longo prazo (Jeukendrup, 2017)”. O atletismo e as modalidades de endurance são considerados os esportes mais adequados para a aplicação da nutrição periodizada, dada a diversidade das demandas bioenergéticas e biomecânicas.

Abaixo temos os modelos de periodização de carboidratos documentados pela literatura:

  • Train low (glicogênio reduzido): Tanto o glicogênio muscular quanto o hepático são reduzidos durante a sessão inicial de treinamento. A ingestão de carboidratos é concentrada na recuperação ou ocorrem ingestões abaixo do ideal durante o dia. O tempo total considerado em estado de baixa disponibilidade de CHO pode variar de 3 a 8 horas. Iniciar o exercício com baixos estoques de glicogênio muscular e/ou sustentar a intensidade e/ou duração do exercício até um nível de depleção absoluta de glicogênio está associado à ativação de proteínas-chave de sinalização celular. Durante um período de treinamento crônico, essa manobra nutricional pode aumentar o conteúdo/atividade das enzimas oxidativas e regular o metabolismo lipídico intramuscular com potenciais melhorias no desempenho (Hulston et al, 2010; Morton et al. 2009; Yeo et al, 2010);
  • Train low (jejum): a primeira refeição é consumida após o treino e nenhuma forma de carboidrato é ingerida durante o exercício, resultando em níveis elevados de ácidos graxos livres. Essa manobra visa predominantemente a redução do glicogênio hepático. Porém, dependendo da ingestão de carboidratos consumida no período de recuperação, o glicogênio muscular pré-treino também pode se apresentar reduzido. O exercício realizado em condições de jejum leva ao aumento do estresse metabólico periférico (músculo esquelético, sistema nervoso central e/ou gliconeogênese hepática levando à regulação positiva de vias de sinalização que aumentam a expressão de proteínas que regulam o transporte e utilização de substratos energéticos (Akerstrom et al, 2006; De Bock et al, 2008; Van Proeyen et al, 2011);
  • Sleep low: tanto o glicogênio muscular quanto o hepático são reduzidos durante a sessão de treinamento noturno/final do dia. A ingestão de carboidratos é concentrada no período de recuperação ou ocorre a ingestão abaixo do ideal de modo que uma segunda sessão é concluída na manhã seguinte com disponibilidade reduzida de carboidratos pré-exercício. Ou seja, é um modelo que se aplicada para dias onde há 2 sessões de treinamento: manhã e noite. Nesse caso, o tempo total em baixa disponibilidade de carboidratos pode variar de 8 a 14 horas. Restringir a ingestão de carboidratos no período pós-exercício, mantém o glicogênio muscular e hepático em níveis reduzidos e prolonga a disponibilidade circulante de ácidos graxos livres. O modelo sleep low train low tem sido associado a um melhor desempenho em triatletas (Bartlett et al, 2013; Marquet et al, 2016; Pilegaard et al, 2005).
  • Train high: as sessões de treinamento começam com alto glicogênio muscular e hepático (por exemplo, ingestão de carboidratos na faixa de 6 a 12 g/kg, refeição pré-treino de 1 a 3 g/kg, ingestão de 30-90 g/hora de carboidratos durante o exercício). Neste modelo, a alta intensidade e/ou longa duração das sessões, o treinamento do intestino e a prática de suplementação de competição são os principais objetivos (Costa et al, 2017; Cox et al, 2010).

Modalidades esportivas com finalidade de rendimento, todas com determinantes bioenergéticos, biomecânicos e estruturais, necessitam de potenciais intervenções nutricionais periodizadas. Portanto, é fundamental que os profissionais tenham entendimento sobre essas opções de periodização nutricional. O olhar multidisciplinar sobre o rendimento esportivo necessita não só de integração prática, mas também de conhecimento técnico/teórico prévio para o atleta seja tratado como uma unidade única.

Referências

1. Akerstrom TC, Birk JB, Klein DK, Erikstrup C, Plomgaard P, Pedersen BK, Wojtaszewski J. Oral glucose ingestion attenuates exercise-induced activation of 5′-AMP-activated protein kinase in human skeletal muscle. Biochem Biophys Res Commun. 2006 Apr 14;342(3):949-55. / 2. Bartlett JD, Louhelainen J, Iqbal Z, Cochran AJ, Gibala MJ, Gregson W, Close GL, Drust B, Morton JP. Reduced carbohydrate availability enhances exercise-induced p53 signaling in human skeletal muscle: implications for mitochondrial biogenesis. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2013 Mar 15;304(6):R450-8. / 3. Costa RJS, Miall A, Khoo A, Rauch C, Snipe R, Camões-Costa V, Gibson P. Gut-training: the impact of two weeks repetitive gut-challenge during exercise on gastrointestinal status, glucose availability, fuel kinetics, and running performance. Appl Physiol Nutr Metab. 2017 May;42(5):547-557. / 4. Cox GR, Clark SA, Cox AJ, Halson SL, Hargreaves M, Hawley JA, Jeacocke N, Snow RJ, Yeo WK, Burke LM. Daily training with high carbohydrate availability increases exogenous carbohydrate oxidation during endurance cycling. J Appl Physiol (1985). 2010 Jul;109(1):126-34. / 5. De Bock K, Derave W, Eijnde BO, Hesselink MK, Koninckx E, Rose AJ, Schrauwen P, Bonen A, Richter EA, Hespel P. Effect of training in the fasted state on metabolic responses during exercise with carbohydrate intake. J Appl Physiol (1985). 2008 Apr;104(4):1045-55. / 6. Hansen AK, Fischer CP, Plomgaard P, Andersen JL, Saltin B, Pedersen BK. Skeletal muscle adaptation: training twice every second day vs. training once daily. J Appl Physiol (1985). 2005 Jan;98(1):93-9. / 7. Hawley JA, Leckey JJ. Carbohydrate Dependence During Prolonged, Intense Endurance Exercise. Sports Med. 2015 Nov;45 Suppl 1(Suppl 1):S5-12. / 8. Hulston CJ, Venables MC, Mann CH, Martin C, Philp A, Baar K, Jeukendrup AE. Training with low muscle glycogen enhances fat metabolism in well-trained cyclists. Med Sci Sports Exerc. 2010 Nov;42(11):2046-55. / 9. Issurin VB. New horizons for the methodology and physiology of training periodization. Sports Med. 2010 Mar 1;40(3):189-206. / 10. Jeukendrup AE. Periodized Nutrition for Athletes. Sports Med. 2017 Mar;47(Suppl 1):51-63. / 11. Kiely J. Periodization paradigms in the 21st century: evidence-led or tradition-driven? Int J Sports Physiol Perform. 2012 Sep;7(3):242-50. / 12. Krogh A, Lindhard J. The Relative Value of Fat and Carbohydrate as Sources of Muscular Energy: With Appendices on the Correlation between Standard Metabolism and the Respiratory Quotient during Rest and Work. Biochem J. 1920 Jul;14(3-4):290-363. / 13. Marquet LA, Brisswalter J, Louis J, Tiollier E, Burke LM, Hawley JA, Hausswirth C. Enhanced Endurance Performance by Periodization of Carbohydrate Intake: “Sleep Low” Strategy. Med Sci Sports Exerc. 2016 Apr;48(4):663-72. / 14. Morton JP, Croft L, Bartlett JD, Maclaren DP, Reilly T, Evans L, McArdle A, Drust B. Reduced carbohydrate availability does not modulate training-induced heat shock protein adaptations but does upregulate oxidative enzyme activity in human skeletal muscle. J Appl Physiol (1985). 2009 May;106(5):1513-21. / 15. Pilegaard H, Osada T, Andersen LT, Helge JW, Saltin B, Neufer PD. Substrate availability and transcriptional regulation of metabolic genes in human skeletal muscle during recovery from exercise. Metabolism. 2005 Aug;54(8):1048-55. / 16. Stellingwerff T, Boit MK, Res PT; International Association of Athletics Federations. Nutritional strategies to optimize training and racing in middle-distance athletes. J Sports Sci. 2007;25 Suppl 1:S17-28. / 17. Stone MH, O’Bryant H, Garhammer J. A hypothetical model for strength training. J Sports Med Phys Fitness. 1981 Dec;21(4):342-51. / 18. Van Proeyen K, De Bock K, Hespel P. Training in the fasted state facilitates re-activation of eEF2 activity during recovery from endurance exercise. Eur J Appl Physiol. 2011 Jul;111(7):1297-305. / 19. Yeo WK, Paton CD, Garnham AP, Burke LM, Carey AL, Hawley JA. Skeletal muscle adaptation and performance responses to once a day versus twice every second day endurance training regimens. J Appl Physiol (1985). 2008 Nov;105(5):1462-70. / 20. Yeo WK, McGee SL, Carey AL, Paton CD, Garnham AP, Hargreaves M, Hawley JA. Acute signalling responses to intense endurance training commenced with low or normal muscle glycogen. Exp Physiol. 2010 Feb;95(2):351-8.

Fonte: Vitafor