Fitoterápicos com ação antifúngica

A utilização de plantas com fins medicinais para tratamento, cura e prevenção de doenças é uma das mais antigas formas de prática medicinal da humanidade. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, e com o aumento da resistência a medicamentos tradicionais, o valor terapêutico das ervas vem sendo pesquisado e seu uso diário dentro das preparações ou na forma de chás vêm sendo incentivado. Outro ponto positivo de fitoterápicos com ação antifúngica é que eles apresentam menor custo quando comparados a medicamentos tradicionais e menos efeitos colaterais, como alterações gastrointestinais e hepatotoxicidade.

O uso de fitoterápicos é amplamente aplicado baseando-se na sabedoria popular. Esta é uma área de pesquisa que ainda carece de trabalhos científicos que comprovem a eficácia e a dosagem das “plantas medicinais” conhecidas.

Nesse sentido, o objetivo principal desse artigo será a abordagem da atividade antifúngica de alguns fitoterápicos através de uma revisão de artigos científicos. O conceito antifúngico é amplo, engloba qualquer substância capaz de produzir uma alteração na estrutura da célula fúngica e que consiga inibir seu desenvolvimento, alterando sua capacidade de desenvolvimento. A atividade antifúngica observada em extratos vegetais é, muitas vezes, atribuída a compostos orgânicos. As espécies vegetais possuem, simultaneamente, substâncias inertes e princípios ativos, cuja concentração dá-se, preferencialmente, nas flores, raízes ou folhas, e, em menor proporção, nos frutos e nas cascas. A concentração destes princípios também não é uniforme durante seu ciclo de vida, sendo influenciada pelo solo, habitat, colheita e preparação.

Diversos fitoterápicos têm sido utilizados no tratamento de fungos, sendo identificados: Alecrim, Orégano, Cravo, Óleo de coco, Óleo de melaleuca, Echinacea, Pau d’ arco, Alho, Gengibre.

Alecrim – Rosmarinus officinalis – Planta nativa da região mediterrânea, cultivada principalmente em países de clima temperado. A parte da planta utilizada são as folhas. Dentre os principais componentes ativos estão: ácido fenólico como o ácido rosmarínico, óleos essenciais (canfeno, pineno, cineol, borneol, cânfora) e taninos. O óleo essencial de alecrim inibe o desenvolvimento micelial de fungos. O alecrim é usado na forma de chás (infusos) e tinturas (extrato hidroalcoólico) preparados com as folhas secas ou frescas. A atividade antifúngica do óleo essencial de Rosmarinus officinalis L. tem sido objeto de estudo de várias pesquisas1-5.

Orégano – Origanum Vulgare – Planta perene que tem origem da região do Mediterrâneo. Os principais constituintes ativos, 90% deles encontrados no óleo, são dois agentes fenólicos, o carvacrol e o timol, responsáveis pelos efeitos antifúngicos e antimicrobianos. As partes da planta utilizadas são as folhas e flores. O carvacrol possui a propriedade de inibir o crescimento da Cândida albicans e o timol estimula a resposta imune. Em pesquisas in vitro, a concentração de 0,25 mg/ml foi capaz de inibir completamente o desenvolvimento da C. albicans. Já em estudos in vivo, com ratos, foi observado que administração de carvacrol a 8.66 mg/kg de peso corporal foi suficiente para cura em 80% dos casos (resultado similar ao medicamento Amphotericin B)7. Estudos mostram a ação dos principais componentes do óleo essencial, como timol e carvacrol frente à Aspergillus, Fusarium, Penicillium, Trichosporum beigelli, Trichophyton rubrum e Trichophyton mentagrophytes. Pode ser utilizado no tempero de massas, no pão, vegetais, diretamente na salada, na sopa, deixar na mesa e colocar na comida6-10.

Cravo- Syzygium aromaticum – é uma planta pertencente à família das Myrtaceas da qual é usada o botão floral seco, o qual contém cerca de 15% de óleo essencial cujo principal componente é o eugenol, um alilbenzeno, composto fenólico volátil, que também está presente na canela, por exemplo. O potente efeito bactericida e fungicida atribuído ao óleo de cravo é derivado do composto eugenol. Estudos têm mostrado sua eficácia no tratamento da candidíase11-12.

Óleo de coco – rico em ácido cáprilico (cerca de 7% da gordura do coco) e ácido láurico (cerca de 50% da gordura do coco) que tem como metabólito a monolaurina, uma das substâncias com ação antifúngica, e que não afeta as bactérias da flora intestinal probiótica. Estudos mostram sua ação contra Candida albicans13, F. oxysporum, P. piricola e M. arachidicola14.

Óleo de melaleuca – Melaleuca alternifólia – extraído de uma árvore nativa da Austrália apresenta propriedades antifúngicas e antibacterianas, pois contém Terpinenol-4, responsável por essa ação. A composição química do mesmo consiste basicamente em monoterpenos cíclicos onde o principal responsável pela propriedade antimicrobiana é o Terpinenol-4 e em trabalho realizado mostrou ter potente efeito sobre Candida albicans. Infelizmente, não há ensaios clínicos usando-se o óleo como tratamento da candidíase e a verdadeira prevalência dos efeitos colaterais ainda é desconhecida15-22. A atividade antifúngica do óleo de Melaleuca está mais que comprovada nos trabalhos in vitro, o que sugere um possível efeito positivo quando administrados em humanos, no tratamento da candidiase, entretanto também requer mais estudos para esta aplicação15.

Echinacea – Echinacea purpurea – Planta nativa da região mediterrânea, cultivada principalmente em países de clima temperado. Partes utilizadas: Raiz e rizoma, que também contém os princípios ativos. O chá da erva Echinacea é utilizado para ajudar a prevenir a recorrência de infecções vaginais. De acordo com a instrução normativa n. 05 da ANVISA, esse fitoterápico exige prescrição médica.

Pau d’arco – Tecoma curialis – Conhecido como ipê, é uma árvore oriunda das regiões do cerrado. Têm propriedades antifúngicas devido ao seu princípio ativo chamado lapachol, presente tanto nas cascas do caule como na serragem da madeira. Tomá-lo como um chá (2 colheres de sopa cozido em 1 litro de água;. 3?–?6 xícaras por dia).

Alho – Allium sativum – é usado como fitoterápico há muito tempo, sendo mencionado em 1500AC em uma receita egípcia. Possui ação fungicida, sendo um ótimo aliado contra a Candida, porém deve ser consumido cru. Muitos estudos têm sido desenvolvidos buscando aplicações práticas do alho, baseadas em sua capacidade de inibição de crescimento e lise bacteriana, sendo seus maiores componentes inibitórios a alicina e os tiosulfonatos. Uma dica é colocar o alho (depois de fazer cortes com uma faca) em uma garrafa de cor escura e preencher com azeite de oliva extra virgem. A alicina, um líquido de coloração amarelada, forma-se quando o alho é mastigado ou cortado, rompendo-se as células do bulbo23-26.

Gengibre – Zingiber officinale – o gengibre pode ter efeito bactericida e fungicida. Possui vários constituintes ativos: o gingerol é o principal deles, obtido do rizoma, sendo recomendável usá-lo cru, pois há indícios de que o calor inativa o gingerol, responsável por esta ação. Quanto menor for o tempo de exposição a altas temperaturas mais preservada se encontrará a sua atividade terapêutica. Usado em doses orais de até 2 g/dia, o gengibre é bem tolerado27.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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*Texto elaborado pela nutricionista Ivania Patrícia Cansi

Mecanismos moleculares dos polifenóis do cacau em doenças relacionadas à obesidade.

A obesidade e doenças metabólicas associadas (diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e hipertensão), são os principais problemas associadas à nutrição no mundo. Uma característica da obesidade é a sua relação com inflamação crônica que tem início no tecido adiposo e eventualmente se torna sistemático. Uma estratégia dietética para reduzir a intolerância a glicose e inflamação é o consumo de alimentos riscos em polifenóis, como o cacau e seus derivados. Dados de pesquisas in vitro e in vivo mostram que polifenóis do cacau podem apresentar propriedades antioxidantes e antinflamatórias. Os polifenóis encontrados no cacau possuem ação na regulação do metabolismo lipídico por induzir a expressão gênica ou ativar fatores de transcrição que regulam a expressão de genes, alguns que exercem importante função no metabolismo energético. Atualmente, alguns alvos moleculares foram identificados por exercerem benefícios nas doenças associadas à obesidade com os efeitos dos polifenóis do cacau. Alguns estudos mostram efeito protetor dos polifenóis do cacau contra doenças metabólicas por suprimirem fatores de transcrição que são antagônicos à acumulação lipídica. Assim, os produtos ricos em polifenóis do cacau podem reduzir doenças metabólicas relacionadas a obesidade por múltiplos mecanismos e ainda reduzirem a inflamação crônica.

Ali, F.; Ismail,A.; Kersten, S. Molecular mechanisms underlying the potential antiobesity-related diseases effect of cocoa polyphenols, Mol. Nutr.Food.Res. 21,2013.

Cardiomiopatia e doença celíaca

A doença celíaca é uma enteropatia imunomediada em indivíduos geneticamente predispostos, desencadeada pela ingestão de prolaminas, fragmentos polipeptídicos do glúten, encontradas no trigo, no centeio, na cevada e na aveia. é considerada a intolerância alimentar mais comum em populações ocidentais, afetando, aproximadamente, 1% da população geral. A doença celíaca apresenta um amplo espectro clínico de sinais e sintomas incluindo diarreia, má absorção, perda de peso, além de manifestações extraintestinais como desordens dermatológicas, osteoporose e, recentemente relatado, cardiomiopatia dilatada idiopática. Apesar de esta última associação ser raramente documentada, a presença da doença celíaca deve ser investigada devido à gravidade da cardiomiopatia dilatada, uma vez que, diagnosticada precocemente, a cardiomiopatia pode ser completamente reversível com o início da dieta isenta de glúten.

Revista Brasileira de Nutrição Funcional

Ano 12 – Edição 53 – Setembro de 2012

Hemocromatose e ferritina elevada

A hemocromatose hereditária é uma doença do metabolismo do ferro caracterizada pela absorção excessiva do mineral pelas células intestinais, levando a sobrecarga de ferro predominantemente no fígado, mas também em outros sítios como pâncreas, coração, articulações e glândulas endócrinas, causando danos irreversíveis aos mesmos. A homeostase celular do ferro envolve o controle da sua captação, transporte, armazenamento e exportação. Na hemocromatose hereditária, o gene mutante HFE pode prejudicar a captação do ferro pela transferrina, mediada pelos receptores de transferrina (TfR), em células da cripta intestinal, gerando um falso sinal de que os estoques de ferro estão baixos. Tal sinal resultará no aumento dos transportadores de metais divalentes (DMT-1), responsáveis pela absorção do mineral. Consequentemente, as taxas de transferrina e de ferritina irão apresentar-se elevadas, fato tão característico da patologia. Devido à falta de especificidade dos sintomas, torna-se crucial que os profissionais de saúde mantenham-se vigilantes e consigam fazer uma triagem adequada, observando o histórico familiar positivo e testes bioquímicos de saturação de transferrina e ferritina sérica. Assim, o tratamento da hemocromatose começará nos estágios iniciais da doença, prevenindo maiores complicações e oferecendo uma melhor qualidade de vida ao paciente.

Revista Brasileira de Nutrição Funcional

ano 13 – edição 55 – Junho de 2013