Suplementação de carboidratos durante o exercício

Atletas frequentemente são aconselhados a ingerir uma dieta rica em carboidratos e garantir sua ingestão antes e durante as sessões de treinamento e reabastecer as reservas de glicogênio o mais breve possível após o exercício. De acordo com o Comitê Olímpico Internacional (COI): “Uma dieta rica em carboidratos nos dias anteriores a competição pode auxiliar na melhora do desempenho esportivo, particularmente quando o exercício durar mais do que 60 minutos” e “ Atletas devem atingir a ingestão de carboidratos visando atender a demanda energética dos programas de treinamento e repor adequadamente as reservas de glicogênio nos períodos de recuperação e entre as sessões de treinamento. Isso pode ser alcançado por meio do consumo de refeições ricas em carboidratos e que forneçam boas fontes de proteínas e outros nutrientes”. Essas recomendações também foram discutidas e corroboradas junto ao Colégio Americano de Medicina Esportiva, Associação Dietética Americana e da Associação Dietética Canadense em consenso para o desempenho esportivo (THOMAS et al, 2016).

Nas últimas décadas, diversos estudos forneceram evidências acerca do efeito ergogênico da ingestão de carboidratos durante o exercício e, lentamente, essa prática tornou-se um hábito em muitos esportes, especialmente em modalidades de longa duração como, por exemplo, maratona, ciclismo e triatlon. Como exemplo prático, foi na década de 1980 que as chamadas bebidas esportivas se tornaram comercialmente disponíveis. Nos dias atuais, estas bebidas e produtos como os géis de carboidratos estão culturalmente enraizados nos esportes de longa duração. Apesar da aceitação geral dos efeitos ergogênicos da suplementação de carboidratos durante o exercício, é fundamental avaliar criticamente as evidências existentes, uma vez que existem diversos protocolos de suplementação que foram validados e comparados de diversas formas. Adicionalmente, sabemos que a tolerância, individualidade e logística da suplementação influenciam diretamente na escolha do protocolo não somente em termos de quantidade, mas na forma de administração dos carboidratos.

É importante ressaltar que, embora os estudos iniciais tenham investigado os efeitos da ingestão de carboidratos durante exercícios de longa duração (2 horas ou mais), também há evidências demonstrando efeitos positivos da ingestão durante exercícios de alta intensidade (? 75% do consumo máximo de oxigênio) com duração de aproximadamente 1 hora. Jeukendrup et al. (JEUKENDRUP et al, 1997) investigaram os efeitos da ingestão de carboidratos durante o equivalente a uma prova de ciclismo de 40 km em indivíduos treinados e observaram melhora 2,3% no desempenho esportivo. Outros estudos também relataram resultados semelhantes (ANANTARAMAN et al, 1995; BELOW et al, 1995; CARTER et al, 2003). Embora haja dados que contestem a efetividade destes dados, é digno de nota ressaltar que o controle de variáveis externas como dieta, condições durante os ensaios experimentais e motivação dos voluntários também difere entre os estudos. Esses fatores desempenham um papel determinante na interpretação dos resultados uma vez que são pilares da performance esportiva. Outros argumentam que a razão para a ausência de efeitos ergogênicos da ingestão de carboidrato durante o exercício pode estar relacionada as variáveis do treinamento. Mais especificamente, protocolos de curta distância e/ou de baixa intensidade podem não promover depleção de glicogênio muscular ou a quantidade de carboidrato ingerida pode ter sido insuficiente. Contudo, de modo geral, o balanço dos estudos disponíveis é favorável aos efeitos ergogênicos da ingestão de carboidratos durante o exercício.

A forma em que o carboidrato é consumido durante o exercício (sólido ou líquido) não afeta o potencial ergogênico. Hargreaves et al. (1984) avaliaram os efeitos da ingestão de uma barra de chocolate (43 g de carboidrato, 9 g de gordura e 3 g de proteína) e observaram aumento de 46% na capacidade anaeróbia após 4 horas de exercício comparado a ingestão de placebo. Outros estudos confirmaram esses dados e reportaram melhora de desempenho em magnitude semelhante frente a ingestão de carboidrato líquido e sólido (Lugo et al, 1993; Neufer et al, 1986). Murdoch et al. (1993) investigaram os efeitos do consumo de pasta de banana (similar a um gel de carboidratos ou de bananas sólidas e observaram melhora no desempenho após 3 horas de exercício a 70% do VO2 máximo com as duas intervenções.

Desconfortos gastrointestinais são muito comuns entre atletas. Cerca 30% a 50% de podem apresentar sintomas regularmente. As causas não são totalmente elucidadas, porém, parecem ser parcialmente genéticas e individuais. Ainda, os mecanismos que justificam desconfortos no trato gastrointestinal superior, não necessariamente é o mesmo do inferior e os principais fatores causais que podem potencializá-los são as condições climáticas e o estado de hidratação (de OLIVEIRA et al, 2014). Embora nem sempre seja encontrada uma relação com a suplementação, certas condutas podem potencializar a incidência de problemas gastrointestinais: o consumo de fibras. a ingestão de gordura e de soluções altamente concentradas em carboidratos parecem aumentar a incidência dos desconfortos. Em termos práticos, o sinais e sintomas mais observados nessas situações são a sensação de inchaço abdominal, a redução do esvaziamento gástrico, a episódios de diarreia (como resultado de alterações osmóticas) durante o exercício. Acredita-se que o treinamento do intestino possa atenuar esses sintomas, por meio da melhora do esvaziamento gástrico e da maior percepção de plenitude (inchaço reduzido). Com isso, o atleta passa a tolerar volumes maiores de ingestão por conta do aumento da velocidade de absorção, causando menor volume residual e poucas alterações osmóticas.

As diretrizes atuais recomendam a ingestão de até 60 g de carboidratos para exercícios com duração de até 2 horas. Quando a duração é superior a 2 horas, recomenda-se o consumo de até 90 g/h. Porém, esses carboidratos devem consistir de uma mistura afim de mobilizar múltiplos transportadores intestinais. Por exemplo, glicose e frutose ou maltodextrina e frutose. (Jeukendrup, 2013; Jeukendrup, 2014). Uma vez que o intestino é um órgão adaptável, é necessário incluir a suplementação durante os treinamentos, ou seja, na rotina semanal e de forma regular. Com isso, o intestino passa a absorver e oxidar mais carboidratos que, por sua vez, resultar menor desconforto gastrointestinal e melhor desempenho esportivo.

Fonte: Vitafor