Os efeitos da doença crítica/aguda na microbiota humana já são bem conhecidos, visto a necessidade – em muitos casos – do uso de antibióticos de largo espectro. Ainda, alterações fisiológicas como o jejum e estresse, bem como intervenções terapêuticas, das quais fazem parte inibidores da bomba de prótons e a mudança associada no pH, influenciam fortemente o microbioma humano em pacientes internados nas UTI.
A comunicação entre intestino e fígado é essencial para a digestão, metabolismo dos nutrientes e liberação de produtos destes processos. Com isso, é comum que em doenças hepáticas haja um desbalanço da microbiota intestinal, levado ao quadro de disbiose, devido às alterações nas funções normais do fígado.
Um estudo de Ma e colaboradores (2018) evidenciou que espécies comensais de Clostridrium impedem uma resposta imune eficaz contra tumores hepáticos primários e metástases hepáticas, não por seus próprios metabólitos, mas por modificação microbiana dos ácidos biliares produzidos pelo hospedeiro.
Variados efeitos do microbioma intestinal nas funções metabólicas do fígado já foram postulados, mostrando que uma alimentação rica em lipídeos leva ao supercrescimento bacteriano no intestino, ocasionando a disbiose. Com isso, há elevação do pH intestinal, ocasionando deficiência em colina, contribuindo para o desenvolvimento de doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD, em inglês, non-alcoholic fatty liver disease) e esteatose hepática.
Ainda, o hábito etilista exacerbado também se correlaciona com a disbiose intestinal, pela redução de espécies de lactobacilos e aumento na produção de etanol e acetaldeído pelas bactérias. Esses metabólitos podem aumentar a permeabilidade intestinal e, associado ao transporte de produtos microbianos para o fígado, que induzem um processo inflamatório resposta, podendo causar doença hepática alcoólica.
Com o demonstrado acima – e em mais diversos estudos – há evidências que suportam um papel das alterações no microbioma intestinal em desencadear insuficiência hepática crônica aguda e admissão de pacientes com doença hepática crônica na UTI. Ademais, outros relatos indicam que tais alterações se traduzem em biomarcadores associados com acute on chronic liver failure ACLF e maior mortalidade de pacientes hospitalizados.
A comunicação entre hormônios derivados da microbiota intestinal e sinalização neuronal, bem como o gradiente de nutrientes e substratos do fígado, alteram a área das funções metabólicas, incluindo a produção de bile, sinalizando o eixo intestino-fígado um alvo vulnerável devido a regulação recíproca do metabolismo e da microbiota.
Por isso, o uso de antibióticos de largo espectro, por seus efeitos “off-target” na microbiota deve ser motivo óbvio de preocupação dos profissionais da saúde, quando no cuidado dos pacientes sépticos.
Tais alterações de microbiota afetam profundamente o “segundo genoma” dos indivíduos (conjunto de genomas transportados pela microbiota), levando a efeitos substanciais no metabolismo do hospedeiro.
Abordagens para corrigir a microbiota do hospedeiro são de grande interesse para o desenvolvimento de tratamentos, com a descontaminação seletiva do aparelho digestivo sendo o exemplo mais estudado para uma intervenção mais ampla. Esse procedimento visa remover micro-organismos potencialmente patogênicos, resultando em modificações na resistência antimicrobiana, mas, ainda é alvo de discussões e resultados controversos.
Como alternativa, a administração de bactérias benéficas ao organismo, através da indicação de uso de probióticos orais – ou, ainda, com o transplante fecal – tem sido estudado, mesmo que com dados, ainda ambivalentes.
De modo geral, os impactos negativos ocasionados pelo uso de antibióticos dentro da UTI ainda não recebem a atenção necessária pelos profissionais de saúde. Ainda mais que, os estudos iniciais do uso de antibióticos dentro da terapia intensiva levavam em consideração hospedeiros saudáveis como sendo os que eram desprovidos de quaisquer organismos patogênicos.
Nesse sentido, considerar a utilização de probióticos e prebióticos podem ser estratégias adjuvantes para a reabilitação da microbiota intestinal nesses pacientes.
Referências:
1. Bauer M. The liver-gut-axis: initiator and responder to sepsis. Curr Opin Crit Care. 2022 Apr 1;28(2):216-220. doi: 10.1097/MCC.0000000000000921. / 2. Ma C, Han M, Heinrich B, et al. Gut microbiome-mediated bile acid metabolism regulates liver cancer via NKT cells. Science 2018; 360:eaan5931 / 3. Zaborin A, Smith D, Garfield K, et al. Membership and behavior of ultra-lowdiversity pathogen communities present in the gut of humans during prolonged critical illness. MBio 2014; 5:e01361-
Fonte: Vitafor