O exercício físico regular possui, sem dúvida, diversos efeitos benéficos à saúde1. Porém, dependendo da intensidade, carga do treinamento e nível de exaustão do indivíduo, promove um aumento na síntese de radicais livres, levando ao estresse oxidativo, que pode ocasionar lesão muscular, fadiga e inflamação2-5. A resposta inflamatória ao exercício é um processo fisiológico normal e adaptativo, porém, se for excessiva, implica em prejuízo no desempenho, cansaço e overtraining.5,6. Como proteção aos danos causados pelo estresse oxidativo induzido pelo exercício, o nosso organismo possui um sistema de defesa antioxidante, que atua de forma a promover a homeostase entre pró e antioxidante3,7.
Estresse oxidativo induzido pelo exercício e resposta inflamatória
O elevado consumo de oxigênio no exercício físico está relacionado com o aumento do estresse oxidativo devido ao aumento da formação de espécies reativas de oxigênio (EROs)1,2,8,14, que podem ocasionar injúrias na membrana lipídica celular, proteínas e DNA, fadiga e estresse muscular, diminuição da performance e overtraining3,4,9,10,13-15.
Os exercícios podem provocar estresse oxidativo por mecanismos como: isquemia-reperfusão, ativação da via da xantina oxidase pela interrupção temporária das bombas de ATP dependentes de cálcio, aumento da atividade da enzima óxido nítrico sintase3,10,14, oxidação dos componentes da hemoglobina e mioglobina, catecolaminas, elevação da temperatura corporal e o ácido lático3,4,10.
Outro mecanismo, mais discutido neste trabalho, é a resposta inflamatória no exercício, que inclui sinais de resposta de fase aguda, ativação de leucócitos, liberação de mediadores inflamatórios, dano tecidual e infiltrado celular, produção de radicais livres, ativação do sistema complemento e cascatas de coagulação e fibrinolíticas11,12.
Quando o tecido é lesionado, os miócitos e outras células liberam citocinas como TNF-a, IL-1ß e IL-611,16,17. Desta forma, os neutrófilos são mobilizados para reparar o dano muscular induzido pelo exercício e fagocitam a fibra muscular lesada por meio da ativação do sistema enzimático nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato-oxidase (NADPH) e liberação de enzimas proteolíticas a partir dos seus grânulos intracelulares que, também contribuem para um burst respiratório e subsequente liberação de EROs5,16. A síntese das citocinas pró-inflamatórias, como TNF-a e IL-1ß, estimula a síntese de IL-6 que, por sua vez, estimula a produção hepática de proteínas de fase aguda, como a proteína C reativa (PCR) e inibidores de proteases. A IL-6 modula a extensão da resposta inflamatória por aumentar a síntese de citocinas anti-inflamatórias5,12,18,19.
A gradativa elevação na produção de EROs promovida pela realização de exercícios físicos é capaz de disparar adaptações em resposta a uma maior produção destes radicais livres20. Porém, indivíduos que se submetem a treinos muito intensos ou exaustivos estão expostos a estresse oxidativo crônico, graves lesões musculares, consequente processo inflamatório crônico, implicando em prejuízo no desempenho e, possivelmente, overtraining5,6,21.
Barquilha et al.22 demonstraram que o treinamento de força não linear (que possui alterações constantes de volume e intensidade durante um período de treinamento) aumentou a força muscular e induziu lesão em atletas de Hockey in line, sem causar inflamação sistêmica, o que pode ter significado fisiológico na via de sinalização do músculo esquelético, promovendo a adaptação.
Os programas atuais de treinamento alternam períodos de treino intenso seguido de período pré-competição, caracterizado por redução na carga de treinamento com o objetivo de modular o estresse oxidativo e otimizar a performance23,24.
Defesa antioxidante e suplementação
O sistema antioxidante atua como proteção aos danos causados pelo estresse oxidativo, promovendo o equilíbrio entre pró e antioxidante7. Abrange o sistema enzimático, que inclui enzimas como superóxido dismutase, catalase e glutationa peroxidase; o sistema não enzimático, que inclui compostos endógenos como a glutationa, transferrina, ferritina, hemoglobina, ácido úrico, bilirrubina, ceruloplasmina e os provenientes da dieta, como ácido ascórbico, a-tocoferol, ß-caroteno e compostos fenólicos3,4,9,10.
O treinamento físico é conhecido por induzir uma resposta adaptativa bioquímica que pode exigir um aumento na ingestão e/ou na absorção de micronutrientes. Como o estresse oxidativo não pode ser evitado, o desequilíbrio entre oxidantes e antioxidantes pode ser atenuado a fim de minimizar os danos oxidativos24.
A suplementação com vitamina E, creatina e glutamina podem atenuar o estresse oxidativo ou reduzir a quantidade de lesões celulares decorrentes de exercícios físicos exaustivos. A vitamina C pode ter pouco ou nenhum efeito de suplementação; todavia, a redução de seus estoques corporais pode contribuir para o aumento do estresse oxidativo21.
Mastaloudis et al.25 demonstraram, em um estudo com atletas de exercício de ultramaratona de 50Km, que a resposta inflamatória induzida pelo exercício não foi influenciada pela suplementação de antioxidantes. Esta resposta inflamatória é importante, pois estimula a recuperação do exercício por induzir a regeneração do tecido danificado e o recrutamento da proliferação de células satélite, não inibindo a adaptação muscular da atividade física26.
Embora os suplementos de nutrientes antioxidantes sejam amplamente utilizados pelos atletas, observa-se que os estudos ainda são controversos com relação à suplementação, objetivando a redução do estresse oxidativo2,27,28,29. Há evidências que nutrientes por si só podem evitar os danos oxidativos, como também causar efeitos adversos ou limitar o efeito endógeno de adaptação do treinamento. Altas doses de suplementos podem provocar efeitos pró-oxidantes se não adequadas às necessidades individuais27.
A suplementação de nutrientes pode ter benefícios em um período de deficiência do atleta, porém não substitui uma nutrição equilibrada advinda da dieta30. Desta forma, a modulação com antioxidantes deve ser realizada de acordo com a intensidade do treinamento e necessidades individuais, visto que a suplementação com antioxidantes pode provocar diminuição da performance e força muscular devido à interferência na adaptação das células musculares ao estresse31.
O uso de polifenóis como proteção ao estresse oxidativo
Substâncias como polifenóis, que representam um dos maiores grupos de fitoquímicos, também têm sido estudadas em atletas e podem atuar como proteção ou atenuar os danos oxidativos promovidos pelo exercício27,32-35,41. A tabela 1 apresenta os principais estudos que avaliaram os efeitos dos polifenóis.
A utilização da quercetina tem sido estudada baseada em resultados de experimentos com ratos, que demonstraram uma melhora na capacidade oxidativa muscular e endurance37. Alguns estudos com indivíduos treinados38 e não treinados39 não resultaram em aumento da performance, nem diminuição do estresse oxidativo. MacRae et al.40 observaram melhora do desempenho utilizando um coquetel contendo quercetina, taurina, niacina, cafeína, vitamina C e outras vitaminas; porém, não ficou claro se houve diferença significativa na performance na comparação entre grupos com e sem quercetina. Portanto, ainda há controvérsias nesta questão, havendo a necessidade de estudos complementares, pois é possível que as adaptações mitocondriais ocorram com a suplementação de quercetina em humanos, mas com uma dose diferente de quercetina e/ou duração do tratamento, comparados ao protocolo estudado em ratos.
Panza et al.41 investigaram os efeitos do consumo do chá verde em marcadores de estresse oxidativo e dano tecidual em um grupo de homens jovens submetidos a um protocolo de exercício resistido. O chá verde diminuiu os valores pós-esforço de hidroperóxidos lipídicos e aumentou a concentração de glutationa reduzida e a capacidade antioxidante do plasma, sendo que os valores de TBARS permaneceram inalterados; ainda, inibiu a elevação das enzimas CK e AST promovida pelo exercício. Além disso, a ingestão de chá verde diminuiu a concentração de hipoxantina e de ácido úrico, antes e após o exercício, e inibiu a elevação da atividade da xantina oxidase induzida pelo exercício. Os resultados do estudo sugerem que o consumo regular de chá verde melhora os mecanismos de defesa antioxidante em praticantes de exercício resistido, conforme avaliado pelos marcadores plasmáticos.
Os mecanismos de mediação dos benefícios biológicos da suplementação com polifenóis de frutas ainda não são claros, mas podem estar relacionados à atenuação do estresse oxidativo e da inflamação36.
Considerações Finais
Exercícios físicos estão associados ao aumento do estresse oxidativo que leva à inflamação, com objetivo de reparar o tecido lesado. Na maioria dos casos, essas respostas inflamatórias locais resultam em processo de recuperação da lesão, o que tem sido considerado um processo de adaptação ao exercício. Porém, exercícios muito intensos e extenuantes estão associados ao aumento do estresse oxidativo, levando a uma resposta inflamatória exacerbada que poderá ocasionar consequências fisiopatológicas para os indivíduos, aumento de lesão tecidual, fadiga, diminuição da performance e, possivelmente, overtraining.
Do ponto de vista nutricional, deve-se ressaltar a importância da avaliação individualizada do atleta com relação às suas necessidades nutricionais e ao nível de atividade física, promovendo uma alimentação equilibrada e variada em nutrientes antioxidantes com objetivo de prevenir ou minimizar os danos causados pelo estresse oxidativo, induzido pelo exercício físico.
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