Mundialmente, a produção global de carne triplicou desde 1970 e subiu em 20% desde 2000, com o consumo aumentando significativamente mais rápido do que a população global. No Brasil, a introdução e o consumo de produtos cárneos na dieta das famílias tende a aumentar de maneira uniforme, de acordo com o nível de rendimentos familiares, uma vez que é o grupo alimentar com o maior impacto econômico sobre o orçamento das famílias brasileiras 1,2.
Apesar do consumo de carnes ser bem diversificado entre as regiões, a ingestão per capita de carne bovina no Brasil é de 36,6 kg/ano, seguida do frango com 26 kg/ano e suínos com 12,8 kg/ano. Em se tratando de laticínios, a ingestão per capita varia de 29 kg/ano na região Nordeste, até 71 kg/ano na região Sul 1,3.
Uma vez que a produção animal é uma das atividades mais expressivas do agronegócio brasileiro e para que os produtos consigam suprir a demanda do mercado, faz-se necessário que o tempo entre o nascimento e o abate do animal diminua. A fim de assegurar a produtividade e a competitividade do setor, a utilização de medicamentos com fins terapêuticos e de profilaxia é uma prática bastante comum. Dos medicamentos utilizados, os agentes antibióticos correspondem a uma das classes mais prescritas4.
Assim sendo, a monitoração de resíduos de antibióticos em alimentos é uma área de preocupação crescente e muito importante, devido ao seu potencial impacto na saúde humana. Os antibióticos são administrados nos animais não só no tratamento de doenças, mas também subterapêuticamente para manter a saúde, evitar infecções, melhorar o desempenho no cruzamento, promover o crescimento de massa muscular, melhorar a eficiência ou utilização alimentar, sincronizar ou controlar o ciclo reprodutivo e aumentar a aceitação do consumidor ao produto final5,6.
Uma larga variedade de antimicrobianos está disponível para uso na medicina veterinária e aquicultura, entre esses, os antimicrobianos das classes dos betalactâmicos (penicilinas e cefalosporinas), sulfonamidas, tetraciclinas, aminoglicosídeos (estreptomicina e gentamicina), macrolídeos (eritrimicinas), quinolonas e anfenicóis (cloranfenicol e análogos) e rifamicinas7.
O uso de antibióticos não autorizados ou o não cumprimento das orientações de administração dos antibióticos autorizados pode resultar na presença de níveis elevados de resíduos de antibióticos nos produtos alimentares. Por este motivo, o controle de resíduos de antibióticos em alimentos deve constituir um programa de vigilância e o conhecimento da dimensão da exposição da população a esses compostos é de fundamental importância para nortear as ações de controle, visando à proteção do consumidor 5,7.
Resíduos antibióticos em leite e derivados
O uso difundido de antibióticos pelos produtores e médicos veterinários no tratamento de doenças infecciosas de vacas leiteiras, principalmente nas mastites, e a utilização de drogas na alimentação animal, como suplemento de dietas, têm contribuído para a presença de resíduos de antimicrobianos no leite. Outras condições que podem determinar a presença de tais resíduos no leite são a higienização de equipamentos e utensílios da indústria e/ou a adição proposital de drogas para encobrir a deficiência na qualidade higiênica do leite e aumentar seu tempo de vida útil8.
O período de carência de um antimicrobiano é o prazo de eliminação deste no leite, após sua última aplicação. Esse período de eliminação da substância administrada deve ser respeitado para prevenir resíduos de drogas e aditivos alimentares nos alimentos provenientes dos animais tratados, que durante esse período não devem ser utilizados para consumo humano8.
O leite contaminado por resíduos de antibióticos pode criar, ainda, prejuízos para a indústria de laticínios, interferindo principalmente nos processos de fermentação, nos quais utilizam-se culturas acidoláticas na produção de queijos, iogurtes e manteiga. Os antibióticos interferem no crescimento dos cultivos iniciadores durante a elaboração de produtos lácteos9.
Em relação ao consumidor, o leite com antimicrobianos pode provocar reações alérgicas, como urticárias, dermatites ou rinites e asma brônquica, além de risco de choque anafilático em indivíduos sensíveis, teratogenia e desequilíbrio da microbiota intestinal. Tais reações são relacionadas principalmente às penicilinas, mas tetraciclina, estreptomicina e sulfonamidas também podem causar esse tipo de reação6,10,11.
Outro risco a ser considerado é o consumo de leite com altos níveis de resíduos de antimicrobianos por gestantes, tendo em vista que alguns antimicrobianos possuem potencial teratogênico. Além de reações alérgicas e de indução de quadros patológicos como, por exemplo, a anemia aplástica, os resíduos de antimicrobianos possibilitam o risco de indução de resistência bacteriana e, posteriormente, a transferência de multiresistência entre os microrganismos através de plasmídios12.
Em um estudo realizado em Piracicaba, São Paulo, foram detectadas concentrações de até 0,002 UI/mL de penicilina. A variação das concentrações de penicilina variou de 0,013 a 0,94 UI/mL, contendo índices superiores ao recomendado (máximo 0,05 UI/mL). Destaca-se a importância de se determinar níveis reduzidos de penicilina no leite, pelo fato de ser discutível qual a faixa de concentração que pode trazer riscos para o consumidor13.
Resíduos antibióticos em carnes
O aumento da produção, as condições higiênico-sanitárias precárias e a superpopulação de animais tornam as granjas e abatedouros verdadeiros incubadores de bactérias, o que pode levar ao desenvolvimento de enfermidades. Para o controle das mesmas, opta-se pelo uso de antibióticos. O problema surge quando o produtor utiliza o antibiótico em níveis maiores do que o permitido para promover o crescimento do animal em menor espaço de tempo14.
Com isso, surgem as bactérias resistentes aos antibióticos, trazendo grandes preocupações para o consumo humano, acarretando em falhas no tratamento, aumento nos custos dos mesmos e aumento nas taxas de morbidade e mortalidade da população humana. O resultado seria a necessidade de doses mais elevadas de medicamentos antibióticos para tratar infecções, devido ao consumo de carnes, leite ou ovos contaminados15,16.
Os principais antibióticos utilizados em produtos cárneos são: tetraciclina, penicilinas, estreptomicinas, eritromicina, nistatina, tilosina, virginiamicina, sulfonamidas, entre outros17.
Para contornar tal situação, os aditivos fitogênicos, extratos herbais e vegetais, fazem parte de uma classe de produtos que poderá substituir os agentes antimicrobianos. Como opção, destaca-se o extrato de orégano, por ser composto de dois principais fenóis com propriedades antimicrobianas: o carvacrol e o thymol, que agem sobre a membrana celular bacteriana, impedindo sua divisão mitótica, causando desidratação nas células e impedindo a sobrevivência de bactérias patogênicas, apresentando grande efeito como agente antimicrobiano. Tais aditivos podem ser adicionados à ração dos animais. Adicionalmente, o uso de probióticos como agente promotor de crescimento tem mostrado bons resultados, resultando em maior ganho de peso pelo animal, melhor palatabilidade da carne, entre outros benefícios16,18.
Resíduos antibióticos em ovos
Em se tratando de ovos, há a possibilidade da produção dos mesmos contendo resíduos, em função da exposição das aves a diversos contaminantes. Muitos dos resíduos são preferencialmente depositados na gema, devido à sua composição química característica, como a presença de maior fração lipídica19.
Os antibióticos mais comuns utilizados em frangos são as penicilinas, estreptomicinas, diidroestreptomicinas, neomicinas e tetraciclinas. Já em ovos, os mais comuns são a oxitetraciclina e a espectinomicina. Uma vez que resíduos de antibióticos ofertados às aves conseguem ser transferidos às gemas, torna-se fundamental manter-se vigilante quanto a todos os tipos de medicamentos veiculados. No entanto, muitos dos níveis de tolerância ou o Limite Máximo de Resíduos em ovos não são conhecidos/regulamentados para os antibióticos que são comumente utilizados na avicultura comercial17,19.
Os efeitos colaterais à saúde humana são os mesmos observados com o consumo de leite e carnes contaminados por antibióticos.
Conclusão
O uso de antibióticos como promotores de crescimento foi banido por países da Comunidade Europeia. Apresentando-se como um dos maiores produtores e exportadores mundiais de carnes, o Brasil precisa estar preparado para atender às exigências de exportações, desenvolvendo novas tecnologias e pesquisas que possibilitem alternativas para a substituição dos antibióticos18.
Embora o uso excessivo de antibióticos na medicina humana seja a principal causa da crise atual da resistência a antibióticos, especialistas em saúde pública concordam que o uso excessivo e o mau uso destas substâncias na produção animal intensiva são também fatores importantes, uma vez que cerca de metade da produção de antibiótico do mundo é direcionada para animais de fazenda20.
Assim sendo, os medicamentos veterinários aplicados aos animais devem ser somente aqueles adequados e apenas o estritamente necessário para os efeitos terapêuticos ou profiláticos desejados, em relação aos quais deve-se sempre respeitar o intervalo de segurança prescrito, de forma a evitar a presença de resíduos de medicamentos veterinários e salvaguardar a segurança alimentar e a saúde pública21.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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muito obrigado sou alergico a penicilina e tenho crises de urticaria e consumo muito ovo, leite, peito de frango e tal e fiquei muito contente em ler isso… vou cortar isso tudo do meu cardapio… obrigado otimo informação
o senho pode me dar uma lista de alimentos que posso consumir sem medo… quero começar na carne de soja, virar vegetariano…
o whey proteyn ja que leva proteína do soro do leite tem problema tambem?
então o whey protein de boa qualidade ele não vem com esses resíduos de antibióticos? desde já muito obrigado, me esclareceu muito…