A glutamina é um aminoácido condicionalmente essencial, ou seja, o corpo é capaz de produzi-lo, porém em situações de alta demanda metabólica ou privações alimentares, existe a necessidade de oferta extra por via dietética (alimentar/suplementar). Estes requerimentos aumentados se fazem justificar também por ser a glutamina o aminoácido mais abundante do corpo e com maior número de funções metabólicas. Até o presente momento não há evidências de que suplementar glutamina reduza a sua síntese endógena (1,2,3).
No metabolismo humano a glutamina pode exercer funções diretas como estimulante da liberação de insulina ou ser transformada em glutamato, e a partir deste novo aminoácido, ser deslocada para diversas funções bioquímicas, entre elas: neurotransmissor excitatório, carboxilação da vitamina K para garantir a mineralização óssea, formar glutationa (poder antioxidante e detoxificante), formar prolina (formação de colágeno), redução da amônia circulante e equilíbrio do pH, transaminação e formação de cetoácidos e novos aminoácidos com consequente síntese proteica e estímulo do ciclo de Krebs, gerando energia especialmente para células intestinais, renais e imunológicas (3).
A utilização de glutamina para praticantes de atividade física tem indicação visando melhorar a hidratação celular e redução do dano muscular. Segundo Koo GH et al, 2014, a suplementação de glutamina em atletas juvenis de remo reduziu os níveis de CK (creatina kinase), provavelmente em virtude da entrada de glutamina para a célula ser dependente de sódio, melhorando a hidratação e o volume celular, melhorando a resistência da célula contra lesões, o que reduz a liberação de CK da célula muscular.
Ainda no campo do exercício físico, muitos profissionais têm prescrito dietas para praticantes de atividade física com restrição moderada ou severa de carboidratos visando o melhor controle glicêmico ou mesmo redução de gordura corporal. Entretanto, restringir carboidratos pode favorecer a perda da integridade da mucosa intestinal, o que pode ser compensado com a suplementação de glutamina.
No estudo de Waldron M et al, 2018, 23 homens em exercício excêntrico foram divididos em 3 grupos de suplementação: um grupo recebendo apenas leucina (0,087 g/kg; n = 8), outro grupo leucina + glutamina (0,087 g/kg + glutamina 0,3 g/kg; n = 8) e o último placebo (0,3 g/kg maltodextrina; n = 7). Foi possível observar aumento significativo da força isométrica em relação ao placebo com o grupo suplementado de glutamina com leucina. Segundo os autores, a glutamina facilita a entrada da leucina nas células e melhora a sua utilização pelo músculo (5).
Na prática clínica, a indicação mais clássica da suplementação de glutamina é para melhora das funções de células intestinais. Neste aspecto, estudo foi desenvolvido com praticantes de atividade física que se submeteram a treinamento em condições de forte calor (30ºC) visando reduzir a permeabilidade intestinal. Os grupos receberam 3 doses diferentes de glutamina, sendo 0,25, 0,5 e 0,9 g/Kg de massa magra (MLG) consumida 2h antes das sessões de treino. Foi possível observar redução da permeabilidade intestinal já na dose mais baixa, com manutenção da integridade da mucosa, importante por exemplo para garantir mais absorção de nutrientes no pós-treino (6).
Importante salientar que muitos atletas cursam com diarreia em virtude de fatores estressores como ansiedade, além do uso de medicamentos, como antiinflamatórios, e da prática de exercício com forte calor e baixa umidade, que tendem a piorar a permeabilidade intestinal, se tornando uma indicação de uso da glutamina na forma suplementar caso estas condições se apresentem (7). Neste aspecto, estudo científico submeteu homens e mulheres a situação de muito calor (38ºC) e baixa umidade (35%), bastante comum em várias cidades brasileiras por um bom período do ano, simulando um combate a incêndio florestal. Os participantes receberam suplementação de glutamina antes e após a atividade indicada, e no grupo suplementado, a percepção de fadiga subjetiva ao esforço e os danos gastrointestinais foram significativamente menores. Os autores sugerem que isto se devem ao aumento das proteínas de choque térmico HSP70 que, dentre outras funções, conseguem exercer ação anti-inflamatória (8).
Ainda mantendo a discussão quanto a ação local intestinal da glutamina e da sua ação sistêmica, é importante relatar que quando a glutamina é suplementada na forma isolada, a maior parte é utilizada no próprio enterócito, e apenas uma pequena parte é absorvida. Entretanto, quando ofertada numa mesma refeição com outros aminoácidos (prioritariamente alanina, glicina, arginina, mesmo que livre e não quelatos), a maior parte da glutamina é absorvida, sendo direcionada para células imunes no sangue e para os órgãos-alvo (3).
No que tange às indicações clínicas da suplementação de glutamina, já é consenso a sua utilização em doentes altamente metabólicos, catabólicos, imunossuprimidos, com diarreia e infecções. Uma revisão de estudos recente encontrou evidências moderadas de que a suplementação de glutamina reduziu a taxa de infecção e os dias em ventilação mecânica, e pequenas evidências de que a suplementação de glutamina reduziu o tempo de internação em pacientes criticamente doentes ou cirúrgicos (9).
Nestas situações clínicas supra citadas, como cirurgias, síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), câncer, queimaduras, colites e outros patologias que cursam com a Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), a sugestão é suplementar glutamina associada a outros fatores imunomoduladores, como fibras prebióticas (eventualmente a depender do caso com outros aminoácidos e/ou peptídeos, probióticos e micronutrientes, como vitamina C, vitamina A, vitamina D, zinco e selênio)(10,11). Abe T et al, 2018, testaram a suplementação de glutamina e fibras prebióticas antes (5 dias) e após (iniciada 4h após a cirurgia, permanecendo por 14 dias) procedimento de esofagectomia com pacientes com câncer e observaram redução significativa da inflamação medida pela Proteína C-reativa (PCR) e recuperação da razão linfócito/neutrófilo, demonstrando recuperação imunológica e tendência de melhora no prognóstico final (12).
A suplementação de glutamina pode trazer benefícios para pacientes altamente estressados com depressão glutamatérgica, em virtude deste aminoácido ser formador deste neurotransmissor (13).
Outra indicação de grande benefício com a suplementação de glutamina é na redução de mucosite em pacientes com câncer, como testado por Pachón Ibáñez J et al,2018, na dose de 10g a cada 8 horas ou 30g/dia (14).
Importante salientar que a suplementação de glutamina é segura em indivíduos saudáveis, praticantes de atividade física, ou mesmo em situações patológicas, sem risco de efeitos adversos, sem alterações renais, em doses agudas em curto prazo (20-30g/dia) ou a longo prazo até 0,3 g/kg/dia (adultos) e 0,1g/Kg/dia (crianças e adolescentes) em doses fracionadas ao longo do dia (15,16,17). A utilização conjunta com arginina, creatina, fibras prebióticas pode trazer ainda mais benefícios.
Referências Bibliográficas:
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Fonte: Vitafor